Documento
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MUTHA.AH.AD.AT.TC.2024.112
Identificação e Características do Objeto
Acervo
Acervos Transcestrais
Número de Tombo
112
Número de Registro
MUTHA.AH.AD.AT.TC.2024.0112
Objeto
Vídeo Digital
Título
Que comece a Trans Revolução Brasiliense
Autoria
Lua da Mota Stabile “A Lua é uma mulher trans, ou travesti, tanto faz. Mineira, nasceu em Pato de Minas. E... Ela foi um dos grandes amores da Taya. E a Taya foi um dos grandes amores dela. Elas se conheceram antes da transição. A gente se conheceu todas juntas naquele coletivo que eu já tinha contado pra vocês da outra vez, que foi a CorPolítica. Então ali a gente construiu a nossa amizade. E logo no início elas se gostaram uma da outra e elas começaram a ficar juntas. E aí nós três começamos a transicionar ao mesmo tempo, assim, praticamente. Uma ajudando a outra, contando coisas, né? Lendo muitos livros juntas também. E... E aí a Lua e a Taya moraram juntas por muito tempo também. Elas moraram juntas com outras pessoas, mas também moraram juntas só as duas. E aí elas se terminavam, elas brigavam muitas vezes, mas aí depois voltavam, eram idas e vindas, mas dava pra ver que elas tinham uma ligação muito forte entre as duas. E... E a Taya tinha conseguido uma bolsa pra fazer um mestrado na Inglaterra. E aí ela foi, e a Lua ficou. E depois foi o contrário, a Lua conseguiu também a mesma bolsa pra ir pra Inglaterra. Em algum momento elas tiveram meio que uma lua de mel, assim, alguns meses super bonitos, assim, entre elas, na Inglaterra. Que é muitas dessas imagens aí, muitos desses vídeos. E depois elas… elas terminaram, mas elas continuaram amigas. É... Tinha muitas mágoas também entre elas, mas tinha muito amor também, assim. Era um pouco isso. Eram, às vezes, um terreno espinhoso entre elas. Sou eu, assim, interpretando, né? Mas era um terreno espinhoso entre elas, mas era... Elas se conheciam muito bem, assim. Eram muito próximas.” (Maria Léo Araruna, Acervos Transcestrais, 2024)
Identidade e Subjetivação
Dimensões
480 x 848 pixels
Material
Digital
Origem
Brasília, DF
Procedência
Brasília, DF
Tipo de Aquisição
Doação
Pessoa ex-proprietária
Maria Léo Araruna
Data de Aquisição
janeiro 1, 2025
Estado de Conservação
Bom
Classificação Etária
Livre
Informações Contextuais
Descrição Extrínseca
“Esse dia foi assim. A Taya, ela raspou o cabelo depois que ela teve uma desilusão amorosa com um cara que ela conheceu justamente nessas viagens internacionais dela, quando ela foi estudar fora. Era um cara francês e eles tiveram uma relação enquanto ela esteve ali na Inglaterra, e eles viajaram pela Europa por muito tempo, ela conheceu a família dele. E a família dele nunca gostou muito dela, nunca foi muito favorável à relação, mas aceitável, de certa forma. Ele já veio pro Brasil também, conheceu todos nós, a gente gostou muito dele e tudo. Mas teve uma época em que ela tava no Brasil e ele tava na Inglaterra, e ela ia voltar pra lá porque eles iam se casar. E depois ela descobriu que ele tava mentindo pra ela por muitos dias enquanto ela esteve aqui no Brasil. Ele tava mentindo pra ela porque ele tava já ficando com uma outra menina lá na Inglaterra e era uma menina cis e era uma amiga dela, da Taya também, era uma amiga dos dois. Eles já tavam juntos e ele não tava tendo a coragem de contar pra Taya e tava enganando a Taya todo esse tempo. Então ela ficou muito mal, ela sofreu muito, e ela teve uma sensação de muito auto-ódio também, e ela raspou a cabeça dela. Ela tinha um cabelo do meu tamanho, comprido, e ela raspou o cabelo. E ela também, pelo que eu me lembre, ela saiu no sol e ela ficou muito tempo no sol e ela teve uma insolação por causa que ela tava careca ali, né? Então, tava muito forte ali o sol, tudo, e ela ficou um pouco inchada no rosto. Então ela tava muito triste ver ela daquela forma. Ela tava deformada, não tava a pessoa que a gente conhecia. Dava pra ver no corpo dela o sofrimento que ela tava passando ali. E aí, passaram-se alguns poucos dias, depois
que ela tinha raspado a cabeça, tudo isso aconteceu. Inclusive, no dia que ela raspou a cabeça, ela raspou na casa da mãe dela, então a mãe dela viu ela dessa forma. E aí, eu e ela combinamos de almoçar fora, que eu queria ver ela. Eu queria entender o que que ela tava passando, o que que tava acontecendo com ela. E ela... E aí a gente combinou de ir num restaurante senegalês que tem aqui em Brasília. Então ela já tava, né? Isso foi uma demonstração, assim, um fato que aconteceu depois de muitas tentativas de se matar, depois de muitas tristezas acumuladas. Isso foi mais um fato que assustou muito a gente. E aí, eu cheguei no restaurante, e aí tava esperando a Taya chegar, só que ela não chegava. E demorou, e demorou, e demorou, e ela não chegava de jeito nenhum. E aí eu comecei a ficar preocupada. E aí eu liguei pro meu pai, porque o meu pai é casado com a tia dela, por isso que nós duas somos primas. A mãe da Taya é irmã da minha madrasta. E aí eu liguei pro meu pai pra ele falar com a minha madrasta pra... saber se família sabia dela, porque ela tava demorando tanto. Liguei pras minhas amigas, pra Lua, pra vida, que na época moravam com ela também, e ninguém sabia dela. E aí todo mundo ficou muito preocupada, e meu pai falou pra eu continuar ali no restaurante, pra se ela chegar, eu avisar eles, e eu continuei ali. E foi um dia... Tava um dia muito bonito, de muito sol, um céu bem azul, e eu fiquei muito... com muito medo assim. E eu comecei a pensar “Meu Deus, ela pode ter se matado, meu Deus, ela pode ter se matado, que merda, que merda.” E eu comecei a rezar muito ali, comecei a pedir pro universo pra que nada de ruim acontecesse com ela. E aí… Enfim, todo mundo foi procurar Taya em algum lugar, e eu falei pro meu pai que até a última vez que ela tinha falado comigo, ela tinha estado na rodoviária, ele foi na rodoviária também procurar ela, e nada de achar ela, e de repente ela aparece no restaurante. Aí eu abraço ela, eu falo que eu fiquei muito preocupada, “Onde você estava?” e tal, e ela estava muito mal, e ela falou que tinha sentado no parapeito do... no parapeito da... do... como é que é o nome do negócio? No túnel do tatu, que a gente chama aqui em Brasília. É um túnel, assim, que a gente passa pra atravessar o centro de Brasília. E é como se fosse um... como é um túnel, ela sentou na parte de cima, assim, né, no parapeito ali, pra se jogar. E ela disse que um cara que estava vendendo pipoca, na hora, segurou ela e conversou com ela, pra ela não fazer isso, né, porque ele sentiu ali uma coisa estranha. Porque aqui em Brasília as pessoas não andam muito na rua. E nesse lugar que tem esse túnel, não é um... não tem muita gente andando ali na rua, sabe, Brasília é muito vasto, assim, é logo o centro de Brasília, onde tem todos os três poderes, né, todos os órgãos institucionais, assim, os órgãos políticos. Então não tem muita gente andando, é muito mais carro que passa. E aí tinha esse pipoqueiro ali, e ele segurou ela, ele sentiu que ela tava querendo se jogar, porque ela botou a perna pro outro lado, e aí pediu pra ela não fazer isso e tal, e ela não fez. E aí ela decidiu ir me encontrar. E aí ela falou... Ela sempre disse que tinha muita vontade de se jogar dos lugares, mas ela tinha muito medo da altura, de altura. E ela falava que ela tinha muita raiva disso, de ter medo de altura, porque seria uma boa forma de se matar. Enfim, eu acolhi ela, e nesse dia foi um dia muito doido, assim, porque quando a Taya morreu, eu lembrei muito desse dia, porque eu fiquei imaginando muito, tipo assim, “Meu Deus, imagina se hoje a Taya morre, como seria uma merda.”. E aí eu fiquei... Quando ela morreu, eu lembrei muito desse dia, da sensação que eu tive desse dia. E aí eu lembro que eu chorei muito escutando ela, assim, e eu falei, eu implorei pra ela, pra ela não se matar, pra ela não fazer isso de jeito nenhum. E eu lembro que eu falava muito... “Não consigo imaginar um mundo sem você, seria muito horrível, seria muito triste.” Eu lembro que também falei pra ela, da mãe dela, “Não faz isso, a sua mãe vai sofrer muito e tudo.” E ela tava, assim, muito acabada, tava destruída, assim. O físico dela tava destruído, a mente dela tava embaralhada, assim, tava horrível. Ela tava super frágil, assim, tava muito triste. E aí eu chamei a Lua e a Vida pra ir pra lá também, pra esse restaurante. E elas foram. E aí a Taya chorou muito, desabafou, eu chorei também. A Lua chegou, a Lua conversou com ela também. A gente comeu, a gente almoçou. Eu lembro que a Taya não quis comer muito. É… E aí a gente... Ela ficou melhor. Aí ela começou a rir. A gente começou a rir da situação. Começou a... Tratar mais com leveza ali. E aí a gente levantou, pagou a conta e foi saindo. E nisso, a Taya tinha um pouco desses momentos, assim, que traziam uma esperança, pra mim pelo menos, mas acho que pra todas nós. Que era... Ela... Ela vinha às vezes com uma explosão muito forte, de muita tristeza, de muita dor. Ela botava pra fora aquilo. Dava pra ver que ela tava uma pessoa totalmente ferida. Mas aí logo depois ela conseguia ficar bem. E ela começava a rir, ela começava a ficar com raiva do porquê que ela pensou tudo aquilo, de como ela é boba de ter feito tudo aquilo, de ter cogitado tudo aquilo por causa de homem, sabe? Então ela começava... Ela conseguia fazer esse processo, assim. E aí parecia que ela tava só num momento difícil. Mas que ela tinha todas as ferramentas internas pra conseguir sair daquilo. E aí foi mais um momento assim. Ela começou a falar que tava com raiva, não sei o quê, blá blá blá, e começou a ficar mais... Mais... Com mais vida, assim. E aí ela foi e pediu pra eu ajeitar a careca dela, porque ainda tinha uns pelos, assim, mal cortados, sabe? Mal raspados. E ela pediu pra eu raspar, pra ajudar, pra ficar tudo uniforme. Aí ela me... Aí eu falei que eu tinha uma gilete, que eu andava com uma gilete na bolsa, até pra fazer, às vezes, tirar uns pelos do rosto, né, no dia a dia. E aí eu peguei essa gilete e comecei a raspar, assim. Era mais ou menos aqui do lado que eu lembro. Fui tirando. E aí foi tipo assim... Eu lembro que as pessoas falaram, “Ah, que momento fofo”. Assim, foi um momento meio que de acolhimento travesti ali, uma acolhendo a loucura da outra ali. E aí a Lua filmou. E aí ela tirou um pouco de sarro disso, de estar careca e de... E de estar com muita raiva de que vai fazer a revolução, de que agora ela é não-binária de novo. E é isso, e ela tá gostando de ser assim. Sabe? Foi... Foi ficando mais leve. A gente começou a rir ali com aquela situação toda. E eu acho que é por isso que eu acho que foi a Lua ou foi a Taya que falou esse título na hora e botou “Que comece a Revolução do Travesti”, né? Mas foi isso, assim, esse dia. (Maria Léo Araruna, Acervos Transcestrais, 2024)
Período
Março de 2022
Referências Bibliográficas
Não
Exposições
Não
Publicações
Redes Sociais (Maria Léo Araruna, Lua da Mota Stabile, Taya Carneiro)
Restauro
Não
Pesquisas
Pesquisa realizada pelo Museu Transgênero de História e Arte - Mutha para a construção das coleções pertencentes ao eixo temático Acervos Transcestrais, contemplada por meio do edital Funarte Retomada Ações Continuadas - Espaços Artísticos 2023.
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Registrado por
Beatriz Falleiros | Ian Habib | Mayara Lacal
Data de Registro
fevereiro 20, 2025